Iceberg, foto G1, Globo

Processos, Supply Chain, Transformação Digital e o Iceberg Gigante: onde ele vai parar?

Foto: imagem mostrando o iceberg gigante prestes a se desprender da Antártida. Fonte da imagem: site G1, Globo.com. Autores NASA, Maria-Jose VINAS / NASA / AFP (2017).

 

Já estava anunciado há meses e acabou de acontecer: um iceberg gigante de quase 6 mil km² e mais de 1 trilhão de toneladas se descolou da Antártica.

O problema é: onde ele vai parar? Faço votos que não em seus processos administrativos ou de serviços. Já imaginou?

Há muito se discute e se desenvolvem metodologias e ferramentas para atuação em melhorias de processos em várias áreas da indústria; a rigor, podemos citar desde Taylor, no século XIX, e Ford, nas décadas de 10 e 20 do século XX, para não ser cansativo.

Porém, somente anos depois, décadas, é que a discussão começou a transbordar para outras áreas das empresas, notadamente as administrativas.

Estas áreas sempre foram mais refratárias a mudanças de métodos pois ali estavam os processos que requeriam mais cérebro, mais estudos, análises e, portanto, ‘não praticáveis’ para mudanças em métodos de trabalho.

Estas áreas, com a popularização dos equipamentos computacionais (dos PC, personal computers) e das automações de processos administrativos, notadamente dos meios de transporte e tratamento das informações, ficaram à mercê das melhorias dos sistemas de informação, da tecnologia em si.

Gostaria de visualizar como os desperdícios nos processos administrativos, de serviços, estão escondidos? Clique aqui, preparamos um infográfico específico sobre o tema.

Porém, nem sempre – quase nunca – as mais relevantes oportunidades de melhorias estão no incremento da capacidade computacional ou na automação dos processos de transporte, análise e tratamento das informações. Elas estão ocultas na identificação do melhor caminho para o fluxo das informações por meio do redesenho dos processos administrativos em si, antes ou paralelamente ao incremento da ‘tecnologia do sistema’.

Vivenciando-se casos em projetos relacionados a processos administrativos, do fluxo de informação, pode-se constatar que o ganho advindo da análise dinâmica e sistêmica para a melhoria dos negócios é maior e mais consistente que a melhoria gerada pela incremento de tecnologia dos sistemas em si. A visão sistêmica é melhor que a visão pontual dos processos e subprocessos individualmente.

Em uma oportunidade, os desafios se relacionavam a processos de gestão e movimentação de materiais em uma planta fabril, empresa multinacional. Neste projeto foi verificado um trade-off entre uma solução inicial de aquisição de um novo e mais abrangente sistema de gestão de materiais e uma possível proposta de redesenho de processos. Seguido adiante o estudo de redesenho, a conclusão apontava uma diferença de investimento da ordem de 90% a favor do redesenho – sendo esta com resultados mais promissores em termos de melhoria de controles e em aproveitamento dos recursos (infraestrutura e mão-de-obra). E mais, o novo sistema poderia ser feito internamente, com aproximadas 60-80h de desenvolvimento.

Em outra oportunidade, o desafio se concentrava em desenvolver um novo sistema de informação e automação que deveria contemplar a integração da solução futura com alguns sistemas legados no ambiente do parceiro e com outros softwares de terceiros. Um time de desenvolvimento de sistemas ‘de primeira’ estava abordando o projeto. O ambiente envolvia uma empresa de serviços de impressão, multinacional, com 4 diferentes unidades de negócios que, a rigor, tinham processos semelhantes de plano de negócios (metas de receitas e margens), de outlook de vendas e de materiais (realizado versus previsão de resultados e consumos), de tracking de faturamento (planejado versus realizado de receitas) e o fechamento financeiro dos períodos mensais.

No desenvolver do projeto do sistema, em suas etapas iniciais, o time de arquitetos e desenvolvedores se deparou com a complexidade do ambiente e o projeto foi replanejado para incluir uma equipe de análise e otimização de processos. Bem, para concluir, uma imagem ajuda. Verifique e compare o antes e o depois do estudo os processos da empresa. É visual!

  

Os conceitos e estratégia de desenvolvimento seguidos foram relativamente simples: consolidar os macroprocessos, (re)definir os subprocessos, identificar as atividades comuns para todas as unidades de negócios, estabelecer um fluxo principal, (re)definir pontos de entrada e armazenagem de informações, (re)definir atividades e pontos de automação, indicar melhorias para cada etapa e, finalmente, indicar pontos de controle e indicadores para cada etapa.

Nesta última experiência, a diferença com os valores de investimento em sistemas de informação foi da ordem de 60% menores com os processos redesenhados, além dos ganhos com aumento da confiabilidade de resultados, de lead time total dos processos e do uso de recursos (sim, fluxos de informação também usam recursos – pense).

Então, voltando ao problema do iceberg, lembrei-me de um livro relacionado aos avanços em sistemas de informação empresariais, de Mohler e Chaudry, de 2012. Nele, na seção dedicada ao desenho destes sistemas de informações, os autores comentam e enfocam a obra de Ben Hicks, de 2007. Ela expõe uma proposta de abordagem para apoiar a melhoria da gestão da informação e a infraestrutura geral dos sistemas de informação. Em específico, Hicks discute a aplicação do conceito de agregação de valor à informação, a necessidade de se caracterizar a natureza dos desperdícios e buscar definir os princípios de valor, fluxos de valor, fluxo, puxada e melhoria contínua no contexto do gerenciamento de informações.

Em um recente encontro em Campinas/SP, “Supply Chain em Debate” do Cebralog, Celso Fragoso apresentou um trabalho desenvolvido pela Dow na América Latina intitulado “Integração End-to-End: Desafios da Supply Chain”. Neste, a definição de End-to-End foi colocada como:

E2E: “Visão empresarial de integração multi-funcional e abrangente na cadeia de suprimentos com objetivo de melhorar a experiência dos clientes, gerar vantagens competitivas em custos e serviços obtendo crescimento dos resultados corporativos”.

Na apresentação, Fragoso mostrou alguns pensamentos de Ewan Duncan, da McKinsey, que definia alguns conceitos sobre desenvolvimento de melhorias na e da “Experiência do cliente”:

  • … “para fornecer uma experiência distinta para os clientes, uma organização deve unir todo seu objetivo em satisfazer suas verdadeiras necessidades”…
  • …“quando você reconectar toda a empresa ao redor da experiência a clientes você terá uma vantagem competitiva e diferenciação que outros não conseguirão alcançar”…
  • … “esta transformação na experiência do cliente, “end-to-end”, requer integração interfuncional e entre áreas…

Muito bem, como ‘reconectar toda a empresa’, unir todo seu objetivo em um único sentido, objetivo? Fragoso discorreu sobre a visão de integração. E integrar, mostrou, ‘é’ processos; desde planejamentos, vendas, análise de crédito, jurídico, serviço ao cliente, manufatura, logística, faturamento, etc. Uma miríade de interfaces entre dados, informações, pessoas, atividades e… processos. No caso da Dow, uma das premissas necessárias à integração exitosa foi a mudança de estrutura organizacional, com quebra das barreiras departamentais. Ele mostrou que as principais mudanças ocorreram em:

  • Junção das organizações de Supply Chain e de Serviços ao Cliente em uma organização E2E.
  • Criação de novo alinhamento aos negócios, com foco e responsabilidades claros.
  • Planejamento, de compartilhado a dedicado e alinhado aos negócios.
  • Ampliação do escopo de melhorias de Supply Chain para E2E e alinhados aos negócios.
  • Criação de células OTC (order to cash) para o dia a dia operacional e foco nos clientes.
  • Novas metodologias de controle e indicadores de processos.
  • Estrutura de Governança E2E.

O que me chamou mais a atenção – e talvez tenha passado um tanto despercebido ao longo da apresentação, foram o esforço e a inteligência que devem ter sido dedicados ao redesenho dos processos e modos de operação necessários para se permitir que as principais mudanças ocorressem. Entendendo que estão ocorrendo. Total reengenharia de processos – no bom e estrito sentido do termo e não como ‘reengenharia’ ficou pejorativamente conhecida nos anos 80/90 do século passado (foi ontem, não!?).

Imagine se, nesta experiência, Fragoso e o time da Dow tivessem recorrido a uma solução de mercado de tecnologia de informação, teria o mesmo êxito? As soluções abordam, entregam, propostas genéricas, não únicas como cada empresa o é. Faço minha suposição que enquanto redesenhavam processos analisavam o fluxo de informação necessário, talvez novo, que se fazia presente, possivelmente únicos para cada grupo de unidades de negócios que a Dow possui. E então, partiam para a automatização destes novos processos – sobre uma plataforma de TI já existente ou totalmente nova, a depender do volume de alterações necessárias.

Fragoso e o time da Dow realmente buscaram eliminar ou reduzir os desperdícios que existiam em seus processos com foco em resultados aos negócios: redução de custos, aumento da produtividade e da comunicação, melhoria do serviço e aumento da satisfação dos clientes.

Na mesma linha e sob o enfoque de digitalização dos negócios, em um estudo recente da IDC, Ali Zaidi [diretor de pesquisas de TI e Estratégia de Negócios de Integração de Sistemas] pontua:

“…com os clientes esperando alcançar resultados de negócios, criar soluções inovadoras que produzam resultados e transformem processos de negócios sob a implementação de uma solução de transformação digital, os provedores destes serviços (implementação digital) devem focar em um portfólio equilibrado que não só ofereça soluções de implementação de tecnologia digital, mas que também provejam as necessidades de transformação dos processos de negócios dos clientes”.

Assim, como nos icebergs, os processos administrativos, de serviços, que não envolvem movimentação ou transformação de materiais, também têm desperdícios. E é nosso papel, como responsáveis e executores de processos, eliminá-los de modo a poderem fluir melhor.

Eu fico abismado com a quantidade de promessas que as soluções de software e hardware prometem resolver para que os negócios se tornem lucrativos. Eu penso e às vezes testemunho que em boa medida, há muita venda irresponsável, algumas, mentira mesmo.

A tecnologia não vai por si só ser a resposta mágica – a panaceia que ouvimos hoje. Vide os recentes robôs de AI desligados pelo Facebook.

Se tivermos processos falhos e a eles adicionarmos tecnologia, tudo que teremos será processos falhos, mais rápidos e mais caros, bem mais caros.

Agora, se seguirmos algumas etapas antes, de melhoria dos processos em si, então teremos muito maior probabilidade de realmente obtermos valor com as tecnologias que têm por aí.

Desperdícios em processos administrativos, de serviços? Clique aqui, preparamos um infográfico específico sobre o tema.

 

 

Um pensamento em “Processos, Supply Chain, Transformação Digital e o Iceberg Gigante: onde ele vai parar?”

  1. Um texto realmente digno de um mestre. Parabéns!!
    Este texto me lembra as as palavras da mestra Paula Rodrigues em sua tese de mestrado sobre a diversidade cultural na escola em que ela descreve que aprender a conviver significa respeito e abertura para as relações humanas, significa habilidade pessoal de permitir a aproximação e não o afastamento do outro, através da empatia, do respeito, das formas alternativas de vida, da escuta, do diálogo, do interesse, etc., tendo sempre por base o envolvimento com a diferença sem qualquer preconceito.
    Um descrição para alunos, porém que ao longo de suas vidas se tornam profissionais, mestres, doutores, e que nas empresas, devido a competitividade interna por vezes esquecem dessa relação e o Iceberg se torna ainda mais gigante. Dito isso, não devemos esquecer que empresas são feitas de pessoas e que são elas que fazem uma empresa o que ela é, seja na crise, seja na fortuna.

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